O isolamento social determinado pela pandemia de COVID-19 resultou em uma restrição dos atendimentos médicos. No entanto, existem pacientes que requerem assistência constante, dentre eles, as crianças com necessidades especias.
A cirurgia pediátrica tem uma atuação importante no atendimento desses pacientes que, com frequência, requerem a realização de gastrostomia e/ou traqueostomia. Esses dois procedimentos são muito úteis no tratamento dessas crianças, melhorando significativamente a qualidade de vida das mesmas e facilitando os cuidados para os pais. Porém, como todo procedimento cirúrgico, existem complicações precoces e tardias que precisam ser resolvidas.
O enfoque dessa publicação será as complicações tardias que, geralmente, aparecem quando as crianças estão em casa e que, com freqüência, preocupam muito os pais.
Gastrostomia. A gastrostomia, resumidamente falando, é a introdução de um tubo no estômago através da parede abdominal1. Recomendada para crianças que apresentam dificuldade para engolir por tempo prolongado, sua utilização previne a desnutrição e o risco de pneumonias por aspiração da dieta. A indicação desse procedimento deve ser discutida com o pediatra da criança e com o fonoaudiólogo, mas tem se tornado cada vez mais frequente. É um procedimento que, embora possa ser realizado por endoscopia, normalmente em crianças, é feito através de uma cirurgia na qual se previne também a ocorrência de refluxo gastroesofágico. O pós operatório é realizado inicialmente em UTI e, passados alguns dias, se não houver complicações, a criança recebe alta e inicia-se a adaptação à nova fase de utilização da gastrostomia para administração da dieta. Alguns pais já têm experiência com a utilização de sonda nasoenteral, mas, assim mesmo, será necessário um período de aprendizado em que cada caso demandará cuidados particulares2. A preocupação mais temida pelos pais é a saída da sonda o que, após algumas semanas após a realização da cirurgia, não é tão grave embora assuste bastante. A sonda de gastrostomia deve ser trocada com alguma frequência, dependendo do tipo de sonda, sendo a troca realizada sem a necessidade de anestesia ou internação. Depois de algumas trocas, alguns pais se sentem seguros para realizar esse procedimento. Entretanto, caso a sonda saia de forma inesperada, é importante que os pais procurem se manter calmos e, se possível, reintroduzam a mesma sonda, após higienização em água corrente, no orifício da gastrostomia, evitando, assim, o fechamento deste, que pode ocorrer de forma rápida. Após isso, os pais devem fazer contato com o cirurgião pediátrico que acompanha a criança ou levá-la ao PS para que a sonda seja trocada.
Outra complicação frequente é a inflamação da pele ao redor da sonda podendo ser acompanhada pela saída de secreção e, as vezes, até mesmo de parte da dieta. Essa inflamação é frequente por ser a sonda um corpo estranho ao organismo, e, na maioria das vez, é tratada com cuidados locais. A saída de dieta ao redor da sonda já é mais preocupante porque pode comprometer o estado nutricional da criança e aumentar a inflamação da pele. Existem vários motivos para que isso ocorra, dentre eles: volume excessivo da dieta, infusão rápida da mesma, mal posicionamento da sonda e problemas com o orifício da gastrostomia. Nesses casos, a criança deverá ser avaliada assim que possível pelo cirurgião, sendo que alguns casos precisarão de internação para uma melhor avaliação e tratamento, não sendo possível descartar-se a necessidade de uma nova cirurgia na dependência da evolução do caso.
Traqueostomia. A traqueostomia, ou seja, a introdução de um pequeno tubo na traquéia através de uma incisão na região cervical3 , é um procedimento realizado, na maioria das vezes, em crianças que estão internadas e são dependentes de assistência respiratória. Quando é necessária a utilização de um tubo traqueal por tempo prolongado, é preferível que seja feita a traqueostomia, podendo a mesma ser revertida no futuro. Infelizmente, muitas crianças com necessidades especiais vão precisar de traqueostomia definitiva e, com frequência, de gastrostomia também. As complicações tardias relacionadas às traqueostomias são: a inflamação da pele, obstrução da cânula e a necessidade de trocas que devem ser realizadas em ambiente hospitalar normalmente com sedação da criança.
Apesar de uma relutância inicial à realização tanto da gastrostomia quanto da traqueostomia, a absoluta maioria dos pais percebe que esses procedimentos melhoram consideravelmente a qualidade de vida dos seus filhos e deles mesmos. Será necessário um tempo de adaptação e aprendizado para contornar os problemas que possam surgir. Porém, são os pais que por conhecerem seus filhos melhor do que ninguém, que irão desempenhar um papel fundamental no auxílio dos médicos para a solução desses problemas.
A criação de grupos de pais de crianças com necessidades especiais para a troca de experiências tem dado certo com muitas doenças. Por compartilharem as mesmas angustias e problemas eles podem se auxiliarem mutuamente resolvendo vários problemas que são comuns4, 5. Espero que esse texto incentive os pais dos meus pacientes a participarem dessas iniciativas e como sempre me coloco à disposição para ajudar no que for preciso.
Referências:
1. Gastrostomias e fundoplicaturas: estudo retrospectivo de 5 anos em pacientes pediátricos no Hospital Municipal Jesus/RJ
http://dx.doi.org/10.1590/S0100-69912003000200002
2. Complicações e cuidados relacionados ao uso do tubo de gastrostomia em pediatria
http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/35785
3.1° Consenso Brasileiro de Traqueostomia em Crianças